Marina: a confusão sobre o trabalho escravo em seu programa de governo

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Pequenas falhas acabam se tornando uma bola de neve, por vezes difíceis de se controlar. Ainda mais em período eleitoral.

Quando Marina Silva divulgou seu programa de governo, achei estranho a publicação de uma meta sobre dar nova redação ao artigo 149 do Código Penal, que conceitua e prevê penas a quem submete outras pessoas a trabalho análogo ao de escravo. A proposta prevê “tipificar de forma mais precisa” o crime.

Walter Feldman, um dos seus assessores mais próximos, foi relator da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre Trabalho Escravo, que ocorreu nesta última legislatura na Câmara dos Deputados, e havia se colocado contra qualquer mudança no conceito. Outras pessoas que fazem parte da entourage de Marina sempre defenderam o conceito atual.

Ao mesmo tempo, seria um tanto quanto mirim por parte da candidata publicar uma proposta tão acintosa aos interesses dos trabalhadores em seu programa. Até porque, para afagar os ruralistas, há formas mais palatáveis.

A pauta de tipificação do 149 é um daqueles casos irônicos. No início da década passada, ativistas contra o trabalho escravo contemporâneo e membros do Ministério Público lutavam para mudar a redação do artigo, muito aberta e que dava margem a interpretações muito restritas do que seria o crime. Por isso, a atualização do artigo foi inserida como meta no Programa Nacional de Direitos Humanos 2, como demanda da sociedade civil.

A atualização veio a ocorrer através da lei número 10.803, de 2003, que tramitou durante anos no Congresso Nacional e foi alvo de intensos debates. Definiu-se que servidão por dívida, trabalho forçado, condições degradantes (que limam a dignidade do trabalhador) e jornada exaustiva (que coloca em risco a saúde e a vida do trabalhador e não tem a ver com desrespeito às horas extras) definem o crime – indo ao encontro do que defende a relatoria para formas contemporâneas de escravidão das Nações Unidas.

Parte dos ruralistas nunca se conformou com a mudança e, desde então, atua para retirar as condições degradantes e a jornada exaustiva da lei. Ou seja, hoje a mudança do artigo não é mais demanda da sociedade civil e sim da representação de agricultores e pecuaristas no parlamento.

Conversei com pessoas que possuem papel central na campanha de Marina Silva, que, reservadamente, também estranharam a meta. Chegaram à conclusão de que o provável é que, durante a produção do programa, acreditou-se que seria algo bom a incorporação de demandas do PNDH 2. Que, ao contrário do que o candidato Aécio Neves afirmou, não pertence ao governo Fernando Henrique, mas é fruto de intensa participação da sociedade civil em parceria com o poder público.

O problema é que o PNDH 2 é de 2002 e a referência usada deveria ter sido o PNDH 3, de 2009, que também elenca uma série de ações para erradicar a escravidão do país. Pois a meta de mudar o texto do artigo 149 já fora cumprida em 2003.

A percepção tardia disso gerou um certo desconforto. Pessoas próximas da candidata me lembraram que, durante sua gestão como ministra do Meio Ambiente, Marina Silva criou a lista de embargos do Ibama, que relaciona pessoas e empresas flagradas com sérias irregularidades ambientais. E esse cadastro teve inspiração exatamente no cadastro de empregadores flagrados com mão de obra escrava, a chamada “lista suja”, do Ministério do Trabalho e Emprego, como ela mesma reconheceu na época.

Assessores próximos da candidata afirmaram a este blog que não há acordo com os ruralistas no sentido de mudar ou retirar qualquer um dos quatro elementos que caracterizam trabalho escravo contemporâneo, muito menos houve a intenção de agrada-los através dessa proposta.

Então, o discurso público adotado na campanha para resolver esse embrólio foi o de que a meta para tornar mais claro o 149 serve para reafirmar a definição existente e não para diminuir direitos trabalhistas.

Como forma de reafirmar que ela não teria intenção de mudar o conceito de trabalho escravo, a candidata assinou, em 10 de setembro, a Carta Compromisso contra o Trabalho Escravo, proposta pela Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae). Nela, compromete-se a “reconhecer e defender a definição de trabalho análogo ao de escravo presente no artigo 149 do Código Penal, caracterizado por trabalho forçado, servidão por dívida, condições degradantes ou jornada exaustiva”.

Dilma Rousseff, Eduardo Jorge e Luciana Genro também assinaram a Carta-Compromisso. Aécio foi convidado mas, até o momento, não endossou o documento.

Se ela vai cumprir ou não o que está na carta, uma vez eleita, é um exercício de futurologia. E de imaginar como se dará a composição da base de apoio, entre progressistas e conservadores, em um futuro governo.

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